segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012



 

Por Bel Pires

O carnaval é uma festa incrível, serve para muita coisa: comer, beber, brincar, namorar, etc. Mas também serve para pensar! Desta forma resolvi socializar um momento de reflexão, o qual não me veio enquanto estava na folia, veio exatamente nos momentos de memória durante a ressaca da festa momesca.
Havia me organizado para adiantar trabalhos que estão com prazos vencidos em minha casa durante o “feriadão” do carnaval, quando me veio o convite da querida esposa. Queria que eu a acompanhasse à festa do carnaval em Salvador, o que aceitei de pronto (não costumo decepcionar minha querida amada, rsrsrsrs). Então fui com a companheira ao circuito da festa quando tive a surpresa que me custou a presente reflexão. Enquanto andávamos no Circuito Barra/Ondina me chamava atenção algumas pessoas com um abadá que estampava a cara de um animal, o que se repetiu nos dias subseqüentes, sendo a cada dia um animal diferente: leão, elefante, etc. Quando eu menos esperava lá vem o trio da cantora Cláudia Leite, notória representante da chamada “música baiana”, o Axé Music e ao parar em frente ao seu Camarote pronunciou: “essa é minha selva”. Para minha surpresa e decepção o tema de seu Camarote era: ÁFRICA.
As estampas que ilustravam tanto o Camarote quanto o trio eram rajadas que lembravam a pele da Zebra ou Girafa. O slogan ainda contava com o perfil de Claudia Leite com um trato crespo no cabelo e uma expressão facial que sugeria uma mulher “selvagem”. A representação de África para a cantora Claudia Leite em sua homenagem ao continente negro não passava destes elementos descritos acima. A representação de África se limitava aos animais selvagens. Esta era a África da cabeça de Cláudia Leite!
Não sei qual a intenção da cantora, que ao homenagear o continente africano retratou apenas a sua fauna, ou pelo menos dois ou três elementos desta. O fato é que este tipo de referência como representação do continente africano já me cansou o juízo. A história e cultura africana foram por muito rejeitada até mesmo ao merecimento de estudos históricos. Entendiam os “donos” do saber no mundo ocidental que África não tinha cultura nem civilização, portanto não justificava empreendimentos de investigação científica sobre o continente negro. Essa realidade começou a mudar em meados do século XX com o surgimento de importantes grupos de estudiosos africanos que juntamente com o sentimento de libertação nacional desenvolveram releituras sobre a história e cultura africanas a partir daquele momento. Intelectuais negros como o pan-africanista e egiptologista Cheikh Anta Diop prova através de estudos históricos, antropológicos, paleontológicos, etc (isto mesmo, Diop era um gênio das ciências do homem) que as referências das populações africanas eram outras: desta forma aprendemos com Diop que Tarzan não era herói, que Cleópatra não era branca e que África tinha histórias e culturas que precisavam ser melhor exploradas. Ou seja: a África não poderia e nem pode ser representada apenas pela sua diversidade animal!
No Brasil também avançamos bastante neste sentido. Hoje contamos com programas de pós-graduação (especialização, mestrado e doutorado) em estudos africanos e afro-brasileiros; contamos com uma legislação federal que obriga o ensino de África na educação básica; contamos com políticas de ações afirmativas para a população de origem africana; com políticas de cooperação entre o Brasil e África. Por tudo isto não cabe mais nos dias de hoje a representação da África como aquela feita pelo Camarote da cantora Cláudia Leite no Carnaval de Salvador deste ano de 2012.
Para concluir, registro para os colegas que esta é apenas uma opinião, resultante do momento de curtição da ressaca do carnaval, pois não nego minha condição de folião. Por fim, não posso deixar de registrar que encerrei minha noite acompanhando o Bloco Afro Malê de Balê e neste a representação de África nunca se resume em leões e elefantes selvagens.

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