Tenho me deparado com pessoas que, mesmo nos parecendo
politizadas e desprovidas de qualquer preconceito, reproduzem (talvez) involuntariamente
comportamentos de suposta superioridade ou sapiência absoluta, ao ponto de
subestimar coletivos e populações territorializadas, sugerindo que essas
pessoas não são capazes de perceber ou decodificar alguns símbolos e situações
supostamente complexas.
Quando me deparo com alguém dizendo que o pescador, a
marisqueira ou o peão de obra não consegue entender determinada palavra ou
termo, mensagem ou desenho, cartaz ou comunicado, me parece que esse alguém está
falando de seres incapazes de compreender qualquer coisa. Será mesmo que um
pescador não saberá entender alguns termos e jargões utilizados pelos supostos
intelectualizados? Será que um peão de obra não saberá compreender determinado símbolo
referente a ele próprio?
Caminhamos para 124 anos de Proclamação da República. Mais
um ano de reconhecimento do 20 de novembro como data de referência para a luta
do povo negro. E ainda nos deparamos com acadêmicos, intelectuais, jornalistas,
apresentadores de telejornais, etc. tratando o nosso povo como ineptos e
dislexos. E quando esse tratamento vem de pessoas as quais temos admiração,
acumulamos dentro de nós gradativos momentos de decepção.
Sabemos que o racismo é tão sutil que nos coloca na condição
de coisas ruins. E quando ouvimos desde crianças que somos ruins, negativos,
incapazes, muitos de nós incorporamos este discurso. Com a mesma sutileza, o
racismo é construído na cabeça dos não negros como algo tão comum que esses
reproduzem ao longo de suas vidas o imaginário imposto que nós negros somos pessoas
com intelectualidade limitada ou quase nenhuma. E quando ouço que nem mesmo as
cores da libertação da África do Sul nosso povo é capaz de identificar, é o
mesmo que enfiar uma faca no meu peito. Perco a compostura, guardando a mesma
sutileza do racismo, e coloco essas pessoas em seu lugar: “do meu povo entendo
eu. E sei que todos eles sabem, sim, identificar as cores que reproduzimos como
símbolo de nossa libertação na diáspora”.
Avançamos muito em políticas públicas de enfrentamento ao
racismo e promoção da igualdade racial. Ganhamos aliados não negros no decorrer
da história e da luta. Mas o que temos ainda é muito insipiente para vencer e
extirpar as mazelas do racismo. E me preocupa quando penso de que forma as
próximas gerações irão enfrentar esse mal.
O Estado que cria as oportunidades de emprego e acata
proposições do Movimento Negro para enfrentar o racismo, é o mesmo que mata
indiscriminadamente nossos jovens negros utilizando a “força ostensiva” da
polícia e justificando nossas mortes como autos de resistência. Mas esta
justifica não está solta no espaço.
De fato, resistimos a cada ofensiva do
racismo. Resistimos e resistiremos a cada irmão ou irmã assassinados pelos “braços
fortes” do Estado. Resistiremos a cada tentativa de nos colocarmos como
ineptos, burros, idiotizados. Resistiremos até a morte em busca da nossa plena
liberdade. De fato e de direito!
Este novembro de 2013 não pode ser mais um novembro de
festas e caminhadas festivas. Precisamos e temos a obrigação de gritarmos
palavras de ordem mobilizadoras e de declamarmos discursos libertadores. Somente
assim, não banalizaremos nossa luta, a luta dos nossos mais velhos e dos nossos
ancestrais. O 20 de novembro precisa ficar marcado como a data de culminância anual
de nossa mobilização contínua no combate ao racismo e pela promoção da
igualdade racial. Esse deve ser o verdadeiro espírito do Novembro Negro.
Novembro Azeviche. Seja lá o nome que queiram dar.
E eu seguirei aqui, vigilante, resistindo e defendendo o
nosso povo deste Recôncavo Negro. E sei que não estou nem estarei sozinho.
Êa!!! Povo Negro!!!!