Por Guellwaar Adún-
• Algumas situações me convencem de que todas as áreas do conhecimento deveriam incluir a semiótica em seus cursos.
Reparem
o que vou dizer e vejam se estou completamente equivocado ou se ao
menos ventilo outra possibilidade de encarar essa estratégia de
marketing recorrente, entre muitos/as artistas brancos/as do mundo
inteiro.
O racismo não se estrutura apenas economicamente.
Ousaria dizer que o racismo se sustenta, sobretudo, semioticamente, e
daí se retroalimenta em todos os outros campos da vida em sociedade,
como um vírus mutante.
Por exemplo: A Sra. Milk, nessa campanha,
não se apropria apenas de signos ou ícones da cultura Negra, à exemplo
de indumentárias, musicalidades, danças e ritmos da mulher Negra
brasileira. Seus publicitários foram muito mais competentes que isso.
Nessa campanha, que evoca a ultrapassada e supostamente insustentável
tese da democracia racial, a apresentam como a “Mulher Negra” em si;
portanto, trata-se da constituição de um índice. Do ponto de vista
simbólico isso é muita coisa. A Claudia Leite agora é a NêgaLôra da
Bahia.
Me fez lembrar as novelas antigas citadas na Negação do
Brasil de Joel Zito Araújo, o famoso Pai Thomás dentre tantos outros
personagens negros que eram representados por atores brancos pintados de
negros – desempregando os atores Negros. CL poderia ter aceitado o
apelido de Negalora e continuado seu caminho. O xis da questão é que ela
se fantasia de mulher negra e com isso ridiculariza o universo Negro
feminino com seu deboche habitual.
A campanha é fantástica em
termos de penetração, pois gera o que mais se busca ao se promover um
produto: A propaganda e contra-propaganda espontânea. Lembram-se do
famoso “Falem mal, mas falem de mim!” do velho Cabeça Branca?
Volto
a dizer, do ponto vista publicitário essa peça é extraordinária, no
entanto eticamente nasce encalacrada até o pescoço e talvez aí resida
seu maior risco. Toda campanha publicitária opera no fio da navalha.
Ao
mirar no público americano (sua meta atual), buscando legitimar sua
ascendência em um batismo equivocado de Carlinhos Brown, evocando uma
suposta identidade múltipla, travestindo-se de Nêgalôra, um exemplar
grandiloqüente do hibridismo racial que ratifica o famoso “pode
misturar” da baianidade momesca, talvez, involuntariamente, detone um
canal de diálogo mais intenso sobre o camaleônico racismo brasileiro.
Meter o dedo nessa ferida racista é algo que nos interessa muito.
A
compreensão de que esse genérico não carrega consigo as diversas
interdições sofridas pela mulher Negra real, derruba várias máscaras.
Acredito que é nessa brecha que devemos investir; na reafirmação da
existência e persistência do crônico racismo brasileiro, suas
transmutações e como o mesmo se constitui no cotidiano da mulher Negra
brasileira.
A atitude do Brown não é menos inocente, pois revela o
quanto nós, homens Negros, somos licenciosos e omissos em relação ao
universo de nossas mulheres.
Dou seguimento à discussão me
perguntando o que essa campanha tenta, ‘silenciomente’, dizer às nossas
cantoras Negras, a exemplo de Gal do Beco, Graça Onaxilê, Juliana
Ribeiro, Marcia Castro, Margareth Menezes, Mariella Santiago, Mariene de
Castro, Will Carvalho dentre outras.
Não estaria CL dizendo
simplesmente que pode ser o que ela quiser, até cantora Negra, se lhe
der na telha? É a síndrome do “posso tudo” das sinhazinhas baianas e
brasileiras.
Excelente reflexão, Roquinho!
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