S. Paulo - Na semana em que Luiza Bairros, a nova ministra chefe da SEPPIR tomou posse, Matilde Ribeiro, a primeira mulher a comandar a Secretaria da Igualdade Racial (2003/2008), considerou a escolha da socióloga, ex-dirigente nacional do Movimento Negro Unificado (MNU), bastante positiva e disse estar aberta "a apresentar contribuições com o desenvolvimento da política como uma militante antenada com o Partido e com o Governo".
“A Luiza sempre foi muito firme, muito sensata. Acho que ela viveu experiências diferenciadas da maioria das pessoas que militam no Movimento Negro e dará uma contribuição muito importante ao avanço da luta pela igualdade racial na sua gestão”, afirmou.
Matilde, que está concluindo mais uma etapa do seu doutorado na Pontifícia Universidade Católica de S. Paulo (PUC), prestando serviços como consultora junto ao Sindicato dos Metalúrgicos de S. Bernardo, disse que no processo de escolha e nos dias que antecederam a definição pela Presidente Dilma Rousseff, conversou com os nomes que estavam sendo cogitados porém, decidiu não se manifestar publicamente em defesa de qualquer um deles.
“Com quem tive maior contato foi com o Vicentinho [o deputado Vicente Paulo da Silva, PT/SP], no debate mais interno dentro do Partido. Quando a presidente Dilma categorizou a questão da mulher, o próprio Vicentinho se colocou de stand bye”, afirmou. O deputado foi um dos nomes cogitados para assumir a SEPPIR.
Na entrevista, ao editor de Afropress, jornalista Dojival Vieira, na véspera do Ano Novo, a ex-ministra da SEPPIR, que foi exonerada do cargo no episódio dos cartões corporativos, falou da expectativa que tem com a gestão da nova ministra, das diferenças entre a transição de 2002, no primeiro Governo do Presidente Lula e agora com Dilma, e dos desafios colocados para a SEPPIR e para o Movimento Negro para consolidar a política da igualdade racial.
Leia, a entrevista, na íntegra.
Afropress - O que a senhora achou da escolha da socióloga Luiza Bairros para chefiar a SEPPIR?
Matilde Ribeiro - A Presidente Dilma enfrentou situações difíceis para montar a equipe de Governo. Quando resolveu garantir a participação de uma margem de mulheres na equipe, enfrentou dificuldades, que são conhecidas. Ao escolher uma mulher negra, militante histórica do Movimento Negro, agiu de modo muito firme. A Luíza reúne condições muito favoráveis.
Afropress - Quais as diferenças entre a transição anterior a sua posse na SEPPIR, no primeiro mandato do presidente Lula e agora, com a presidente Dilma?
Matilde - Acho que faltou agora no processo de transição uma sequência de diálogos. Na campanha de 2002, os Partidos estiveram à frente. Nesta, isso foi fragilizado. Mas, não foi só no Movimento Negro que isso aconteceu. Os Movimentos populares apresentaram uma expectativa de ampliação de diálogo, isso por dentro do PT. A campanha aglutinou um grande número de partidos e dentro dos partidos estão as organizações. A transição desta vez foi mais fechada e programática, o que não tira o mérito da indicação da política.
Afropress - Como enfrentar essa situação, que a senhora distingue como diferentes, entre a transição de 2002 e a transição de agora?
Matilde - Não dá prá colocar a responsabilidade de enfrentar os desafios apenas na conta da Luiza.. A própria Presidente vai apresentar o seu método de diálogo. Tem o jeito Dilma de fazer política. Uma coisa é a campanha, outra coisa é o Governo.
A partir do dia 02 de janeiro é a execução da política. O Governo Lula intensificou essa perspectiva de ação dos Movimentos Sociais. Muitos desafios foram colocados não apenas para Dilma, mas para o Governo como um todo, e de uma forma muito forte. A onda conversadora da campanha, a polêmica em relação a questão dos nordestinos, a questão dos gastos públicos, é imprescindível o diálogo.
Afropress - Quais são as dificuldades e os desafios que se apresentam para a nova ministra?
Matilde - Eu acho que traduzir duas coisas que considero imprescindíveis: 1 – a manutenção da política com o seu, claro, aprimoramento; 2 – a necessidade de buscar o diálogo com o Movimento Social, com o Movimento Negro.
Afropress - Como a senhora viu e vê o papel do Movimento Negro nos Partidos?
Matilde - Os Partidos não perderam protagonismo. Os partidos foram imprescindíveis. Agora a questão racial e de gênero dentro dos Partidos, nunca é colocada na dimensão, do tamanho que os Movimentos gostariam. E isso acontece, inclusive, no PT. A campanha eleitoral 2010 foi pouco aderente a essa busca histórica. O que não quer dizer que não se possa recuperar.
Afropress - Com as dificuldades que se apresentam, qual a expectiva em relação ao Governo Dilma?
Matilde - A expectativa em relação ao Governo Dilma é muito boa. O presidente Lula foi firme e corajoso. Esse é um momento muito importante na história do Brasil. O fato de termos pela primeira vez uma mulher na Presidência da República, isso acaba por alimentar a agenda dos movimentos em relação a ter na mão um trunfo a mais, mas não resolve toda a ansiedade que se tem. É um dilema teórico, político, cotidiano.
Afropress - Qual é o balanço que a senhora faz dos oito anos de Governos Lula?
Matilde - O PT sai fortalecido em relação aos oitp anos de Governos Lula. Os Movimentos sociais sem com resultados concretos. Nunca se falou e se avançou tanto na Política quilombola e de cotas, nestes oito anos.
Se isso ainda não se sustenta como uma lógica de Governo, é uma outra questão. Dá prá dizer que ocorreram avanços. Agora, em números, o buraco da desigualdade é tão grande, a injustiça, a impunidade, são tão grandes, que o que foi feito parece pouco.
Afropress - Se a senhora tivesse o poder de apontar o que deve ser feito na SEPPIR, o que diria e o que faria?
Matilde - Uma das coisas, seria a agenda de promoção da Igualdade racial que envolve outros ministérios, e que é muito densa para apenas um órgão de Governo. Falta orçamento, coordenação de políticas, interdependência com os demais órgãos. A SEPPIR é uma estrutura muito pesada, muito complexa.
A SEPPIR foi pensada para ser um órgão para atender a necessidade dos negros. Nós acabamos trazendo para a estrutura uma quantidade de temas que a estrutura não comporta. Se eu tivesse algum poder de ação, apontaria para a necessidade de revisão desse modelo.
A outra questão, que independe da vontade da ministra, é a própria estrutura de pessoal, com apenas quatro dezenas de cargos. É muito importante que o Governo repense isso. A SEPPIR tem dificuldades de deixar registros de longo prazo. Os dirigentes são todos indicação política, cargos comissionados. A pessoa vai embora e leva consigo a história.
É necessário ter servidores concursados de carreira para garantir a memória institucional. Hoje cada um que sai leva consigo a construção feita. É um desafio grande, esse, junto com o desafio orçamentário.
É preciso construir programas com co-responsabilidade de Governo e com orçamento ampliado. Uma tranversalidade que tem de ser cada vez mais fortalecida. O Programa Brasil Quilombola é um exemplo disso.
Afropress - Qual, na sua opinião deve ser o papel do Movimento Negro nesse momento da conjuntura do país?
Matilde - O Movimento Negro tem um papel de fortalecer suas agendas unificadas. O exemplo mais frutífero que temos foi o resultado da Marcha Zumbi dos Palmares,que foram duas, mas que tinham uma pauta razoavelmente unificada.
O genocídio da juventude negra, as cotas, a política de quilombos, a inserção no mercado de trabalho, são temas muito importantes e bandeiras a serem assumidas de forma unificada. Quando falo de ações unificadas não estou querendo tirar o caráter plural do Movimento e das organizações, que, alías, é muito saudável. Estou me referindo a ações que tenham metas, para que agente avance.
Afropress - A senhora espera dar alguma contribuição a nova gestão da SEPPIR?
Matilde - Assim como lá atrás, com a minha saída do Governo me comprometi com o Presidente Lula a apresentar contribuições com o desenvolvimento da política, faço o mesmo agora do lugar onde estou: uma militante antenada com o Partido e com o Governo.
Fonte: Afropress - 8/1/2011
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